sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Aula 6: A incoerência das falácias.

A coerência é o resultado da não contradição entre as partes do texto e do texto com relação ao mundo – isto é, cada ideia exposta não só deve estar condizente com o exposto anteriormente, mas também precisa estar ligado aos pensamentos atuais da sociedade moderna, para não sofrer de “incoerência com a realidade”.

A falta de coerência em um texto é facilmente detectada por um falante da língua, mas não é tão simples notá-la quando é você quem escreve.

Cuidado com o que você ouve, lê ou escreve. Não acredite em tudo. Você deve ter habilidade para lidar com discursos, com textos, com o que lhe dizem, com argumentos que lhe apresentam nos debates do dia-a-dia. Deve ter critérios para aceitar ou rejeitar alguns “argumentos”. Muitos parecem dizer algo coerente, enquanto na verdade são falácias. Essas falácias, como você pode constatar, estão em todos os discursos: na publicidade, na política, nas religiões, na economia, no comércio, etc.

FALÁCIA é, pois, todo o raciocínio aparentemente válido, mas, na realidade, incorreto, que faz cair em erro ou engano.

Como você reagiria, por exemplo, aos enunciados abaixo? Todos eles são falaciosos e devem ser corrigidos.

  1. É melhor exterminar os bandidos: você poderá ser a próxima vítima. (apelo à força) - Apelar à força não é racional, não é argumento; a emoção não tem relação com a verdade ou a falsidade da proposição.
  2. Ele não pode ser condenado: é bom pai de família, contribuiu com a escola, com a igreja, etc. (apelo à piedade; fuga do assunto)
  3. Dizem que um disco voador caiu em Minas Gerais, e os corpos dos alienígenas estão com as Forças Armadas. (apelo ao povo) - Os educadores, os professores, as mães têm o argumento: se todos querem se atirar em alto mar, você também quer? O fato de a maioria acreditar em algo não o torna verdadeiro.
  4. Segundo Schopenhauer, filósofo alemão do séc. XIX, "toda verdade passa por três estágios: primeiro, ela é ridicularizada; segundo, sofre violenta oposição; terceiro, ela é aceita como auto-evidente". (apelo à autoridade) - De fato, riram-se de Copérnico, Galileu e outros. Mas nem todas as verdades passam por esses três estágios: muitas são aceitas sem o ridículo e a oposição. Por exemplo: Einstein. Muitas vezes é perigoso aceitar uma opinião porque simplesmente é defendida por uma autoridade. Isso pode nos levar a erro.
  5. Essas práticas remontam aos princípios da Era Cristã. Como podem ser questionadas? (apelo à antiguidade) - O fato de um grande número de pessoas durante muito tempo ter acreditado que algo é verdadeiro não é motivo para se continuar acreditando.
  6. Brasil: ame-o ou deixe-o. (falso dilema) - Mostre que há outras opções.
  7. A educação é a base do progresso. (axioma ou falso axioma) - Muitas frases de efeito podem ser meras estratégias usadas por alguém que tenta convencer, persuadir o leitor em direção a um argumento. É preciso que haja um debate consistente, não apenas a repetição aleatória de frases retóricas.
  8. A prática de esportes é prejudicial à saúde. (generalização não-qualificada) - É necessário especificar os enunciados. Exemplo: A prática indiscriminada de certos esportes violentos é prejudicial à saúde dos jovens subnutridos.
  9. Todo político é corrupto.

Os padres são pedófilos.

Os mulçumanos são todos uns fanáticos. (generalização apressada) - Em ciência, é preciso o maior número de dados antes de tirar uma conclusão; não se pode usar alguns membros do grupo para julgar todo o grupo. Dois professores ruins não significam uma escola ruim, por exemplo. Uma dúzia de crimes na internet não faz com que o ambiente virtual seja tomado como altamente perigoso. Veja que se trata, na maioria das vezes, de estereótipo: imagem preconcebida de alguém ou de um grupo. Veja também que são fonte de inspiração de muitas piadas racistas, como as piadas de judeus (visto como avarento), de negro (vista como malandro ou pertencente a uma classe inferior), de português (visto no Brasil como sem inteligência), etc. É por isso que essa falácia está intimamente relacionada ao preconceito.

  1. Não se pode confiar num presidente que gosta de beber suas cachacinhas. (ataque à pessoa) - O caráter da pessoa não tem relação com o argumento defendido por ela. Chamar alguém de corrupto, nazista, comunista, ateu, pedófilo, cachaceiro etc. não prova que suas idéias estejam erradas.
  2. O álcool e uma dieta pobre também são grandes assassinos. Deve o governo regular o que vai à nossa mesa? A perseguição à indústria de fumo pode parecer justa, mas também pode ser o começo do fim da liberdade. (Exemplo tirado da Revista Veja, de agosto de 2000, p.36.)

O assassino do Realengo era um usuário freqüente da internet, e sofria bullying no colégio. Isso acarretou uma tragédia que chocou o País recentemente. (generalização apressada) - O fato de que dois eventos aconteçam em seqüência não significa que um seja a causa do outro. Pode ter sido apenas uma coincidência.

  1. Os empregados são como pregos: temos que martelar a cabeça para que cumpram suas funções. (falsa analogia) - Dois objetos ou situações diferem de tal modo que a analogia se torna insustentável. O que vale para uma situação não vale para outra.
  2. Ninguém provou que o sistema de cotas para o ingresso do estudante da escola pública é eficaz na diminuição da desigualdade social. (falácia da ignorância) - Algo pode ser verdadeiro ou falso, mesmo que não haja provas. Também pode ser o caso de uma análise em curso, em que ainda não tenha havido tempo suficiente para apresentar resultados.
  3. A automação cada vez maior das indústrias desemprega muitas pessoas. Isso, portanto, é ruim, economicamente desaconselhável. (exigência de perfeição) - Planos, medidas ou soluções não devem ser vistos como integralmente perfeitos ou prejudiciais. Podem existir objeções para qualquer medida. Analise se as vantagens não superam as desvantagens.

Veja alguns exemplos de como as falácias podem ser transformadas de idéias incoerentes para idéias coerentes. Siga os exemplos para dar coerência aos trechos a seguir:

  1. “A internet está repleta de pessoas de má fé, criminosos, pedófilos.”

Correção: “É preciso ter cuidado com algumas pessoas de má fé que podem ser encontradas na web, mesmo que elas correspondam à maioria dos internautas.”

  1. “O usuário de maconha é agressivo, violento.”

Correção: “O usuário de crack é geralmente agressivo, violento.”

  1. “O bullying pode levar um jovem a cometer assassinatos violentos, como foi o caso do Realengo.”

Correção: “Os traumas resultantes do bullying sofrido na escola, potencializado pelos problemas mentais, pode estar entre as causas de Wellington para o massacre do Realengo”.

Agora é sua vez! Dê coerência às idéias, modificando as frases:

  1. “Se permitirmos o aborto em casos de risco de vida para a mãe nos hospitais públicos, logo todo o mundo vai querer abortar por qualquer motivo, ninguém mais vai valorizar a gravidez e a taxa de natalidade vai acabar despencando, prejudicando a economia do País.”

É inegável que o aborto deve ser permitido nos casos de risco de vida para a mãe nos hospitais públicos.

A legalização do aborto não implica na desvalorização da gravidez ou na queda da taxa de natalidade. No entanto, junto com a descriminalização, é necessária uma política de saúde focada no planejamento familiar, a fim de evitar a gravidez indesejada.

  1. “Se deixarmos o governo vender uma estatal hoje, daqui a dois ou três anos o País inteiro vai estar nas mãos do empresariado internacional.”

É preciso que o País aja com cautela na venda das estatais, para que não perca o controle sobre sua economia e não a deixe nas mãos do empresariado internacional.

  1. “A opção sexual deve ser escolhida com cuidado.”

A orientação sexual do indivíduo deve ser respeitada, e a Constituição deve garantir seus direitos.

  1. “O desemprego vem crescendo no Brasil.”

O desemprego no Brasil vem diminuindo, porém suas taxas ainda são preocupantes.

  1. “O aborto é uma prática perigosa porque é inseguro e arriscado.” (raciocínio circular)

O aborto é uma prática perigosa porque põe em risco a saúde da mulher. Quando feito em clínicas clandestinas, esse risco é potencializado ao extremo. A criminalização dessa prática não reduziu, não reduz e não reduzirá a quantidade de abortos feitos todos os anos pelas mulheres brasileiras. Se legalizado, a decisão pelo aborto ou pela continuidade da gestação provavelmente não mudaria. O que mudaria seriam as condições sanitárias de realização do procedimento, o que diminuiria consideravelmente os riscos para a saúde da gestante.

  1. “É melhor você votar pela condenação do réu ou você pode ser a próxima vítima dele.”

Criminosos devem ser condenados ou inocentados de acordo com a Justiça. A decisão da pena deve ser baseada nas leis, não deve ser fundamentada pela égide do medo.

  1. A lei que reduz o porte de armas de fogo deve ser abolida, pois, desde que entrou em vigor, a criminalidade aumentou.

A lei que limita o porte de armas de fogo pouco ou nada contribuiu para a diminuição da criminalidade no País.

  1. É possível confiar num médico que foi aprovado como cotista no vestibular?

Ainda é cedo para tirar conclusões sobre o programa de cotas para ingresso nas universidades públicas. É preciso esperar que os alunos cotistas concluam o curso e ingressem no mercado de trabalho para que, a partir daí, possam ser feitas pesquisas a fim de analisá-los como profissionais.

  1. Os padres são pedófilos, mulherengos, só pensam em dinheiro.

A população já teve conhecimento de padres que quebraram violentamente os votos de celibato e de pobreza, e até de religiosos pedófilos. Contudo, isso diz respeito a uma pequena parte deles, o que não invalida o reconhecimento social destinado à Igreja Católica.

  1. Tratava-se de discutir e eleger o perfil do professor ideal: ele seria autoritário ou deveria dar plena liberdade aos alunos?

Não há um perfil de professor “ideal”. Cada instituição de ensino tem sua proposta pedagógica, assim como os pais têm seus anseios sobre a educação dos seus filhos. O perfil do docente deve, então, ser compatível com essas duas instâncias.

  1. Os índices de analfabetismo têm aumentado muito depois do advento da televisão. Obviamente ela compromete a aprendizagem.

Entre as causas do analfabetismo, estariam, por exemplo: o cansaço depois da longa jornada diária de trabalho; o desemprego; a falta de auto-estima dos alunos; o despreparo de pais analfabetos que, sem estímulo, não vêem perspectivas em mandar seus filhos à escola; a falta de instituições de ensino próximas à moradia e a distância entre as cidades e a zona rural. Esses fatores contribuem para que os estudantes em potencial se acomodem em trabalhos braçais, que não exigem domínio da leitura.

  1. A grande maioria das pessoas deste país é favorável à pena de morte como meio de reduzir a violência. Ser contra a pena de morte é, pois, ridículo.

A maioria da população brasileira é favorável à pena de morte como meio de reduzir a violência, segundo pesquisas. No entanto, essa grande aceitação não invalida um posicionamento contrário a esse tipo de pena.

  1. Não é preciso conhecer matemática para vencer na vida. Meus conhecimentos dessa matéria não vão além das quatro operações e das frações ordinárias; no entanto tenho um salário maior do que o de muitos engenheiros.

Para se ter um bom emprego e um bom salário, geralmente é necessário ter formação acadêmica. No entanto, isso não é regra, e há casos em que o indivíduo consegue-os com o mínimo de escolaridade, como por exemplo alguns jogadores de futebol milionários.

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